Eletroencefalografia associada a estudos imunogenéticos em animais

Eletroencefalografia associada a estudos imunogenéticos em animais

Prof Dra Roberta Basile Prof Dra Roberta Basile
5 de janeiro de 2023

As disfunções eletroencefálicas estão permeadas entre várias etiologias, tais como neoplasias, alterações endócrinas e metabólicas, intoxicações, alterações morfológicas, entre outras. Para compreendê-las completamente, é necessário ter acesso não só às alterações estruturais do cérebro, mas também a seus distúrbios funcionais. Para isso, somente o eletroencefalograma pode fornecer informações sobre a atividade neuroelétrica (Wrzosek, 2016).

O eletroencefalograma (EEG) registra a função elétrica cortical espontânea e pode identificar ondas com freqüências entre 0,5 e 90 Hz e amplitude entre 1 e 500 microvolts. O sinal elétrico tem origem principalmente em três fontes: a atividade sináptica dos neurônios corticais, mudanças de potenciais de ação na superfície das células glial, e atividade elétrica generalizada gerada por grandes populações de neurônios, principalmente de camadas neuronais mais profundas (Fish, 1999).

Embora a eletroencefalografia seja um método de diagnóstico disponível por muitos anos em medicina veterinária, tendo sido empregado em gado desde o trabalho de Golikov e Liubimov em 1966; cães (Klem, 1968), cavalos (Grabow et al, 1969) e gatos (Beaver e Klemm, 1973), seu uso rotineiro em neurologia clínica veterinária tem recebido pouca atenção (Pellegrino e Sica, 2004).

Ainda assim, os últimos anos têm mostrado muita promessa para o uso experimental dessa técnica, pois ela está sendo reconhecida como essencial para a verificação da função cerebral em associação com exames de imagem, que só ilustram a parte estrutural (Murugappan et al, 2021). A própria Força Tarefa Internacional de Epilepsia Veterinária (IVETF) recomenda fortemente que o EEG seja usado como um método diagnóstico para epilepsia de nível idiopático III (Berendt et al, 2015).  Além disso, o EEG tem evoluído muito devido ao desenvolvimento de novas tecnologias para aquisição de dados (Parmentier et al., 2019; Cousillas et al., 2017) e processamento de sinais (Steingrimsson et al., 2020).

Pesquisas mostraram que a eletroencefalografia pode ser usada além do diagnóstico de epilepsia idiopática ou estrutural. O EEG tem sido usado para monitorar a qualidade do sono dos cães e correlacionar com a facilidade de aprendizado (Iotchev et al, 2020), indicam quais potros são mais bem administrados em função da profundidade do sono durante o dia e a noite (Zanker et al; 2021). No campo comportamental, ele tem sido usado para monitorar o grau de estresse (bem-estar animal) em cavalos (de Camp et al, 2020), verificar respostas neurológicas associadas com mudanças comportamentais em cães (Wrzosek et al, 2015) e cavalos (Pickles et al, 2011). Em humanos tem sido usado como um método para classificar depressão (Jiang et al, 2021) e monitorar estados de degeneração neuronal (Nobukawa et al, 2020).

Outra área extremamente promissora do uso do EEG em animais é a ajuda quantitativa no diagnóstico da dor. Desde a verificação da dor associada com a qualidade da lâmina de abate no gado (Bergamasco et al., 2021), até a comprovação da presença de dor em bezerros castrados sem procedimentos anestésicos (Imlan, et al., 2021), o eletroencefalograma tem sido muito útil na comprovação e compreensão dos mecanismos de dor em animais. É importante enfatizar que a dor é diferente da nocicepção porque requer processamento cerebral de impulsos nociceptivos para que ela ocorra. Assim, o EEG, como um método para avaliar a atividade cerebral, torna-se uma ferramenta quantitativa interessante para avaliação direta da dor e não apenas da nocicepção (Stomp et al, 2020).

Estudos imunogenéticos têm sido associados a exames eletroencefalográficos a fim de coletar informações sobre a função cerebral e expressão gênica em certas áreas cerebrais. Assim, informações relevantes foram obtidas para compreender mecanismos tais como narcolepsia (Szabo et al., 2019), epilepsia (Leal et al., 2018), neurodegeneração hereditária (Alonso et al., 2020), neurodegeneração senil (Lu et al., 2017), e reações adversas a medicamentos (Tensini et al., 2021).

O método mais recente de análise de EEG em tempo real é a análise computadorizada dos sinais de EEG na forma de análise do espectro de potência (Bickford et al., 1971). Hoje é uma prática padrão na medicina humana e já começa na medicina veterinária, usada na avaliação da atividade cerebral. Com base na análise matemática de FFT (Fast-Fourier Transformation), as ondas geradas no domínio do tempo são transformadas em um gráfico o domínio da freqüência, refletindo a intensidade das cores em relação à intensidade das ondas em uma determinada freqüência, usando limites geralmente aceitos de: delta (0-4 Hz), theta (4-8 Hz), alfa (8-13 Hz) e beta (13-30 Hz). O espectrograma (gráfico) muda dinamicamente e permite interpretação visual instantânea, fornecendo dados para várias aplicações tais como monitoramento anestésico, distúrbios do sono, distúrbios epiléticos, nível de consciência, dor, lesões cerebrais, distúrbios de cognição, avaliação comportamental, lesões degenerativas, reconhecimento de emoções, aprendizagem de máquinas, e outros (Sharma e Veer, 2021). Ela é criada durante as medições (em tempo real) e não requer mais análise. Até hoje, algumas faculdades de veterinária na Europa estão conduzindo pesquisas usando esse sistema.

O EEG é uma técnica de avaliação elétrica cerebral que permite verificar a função neuronal intracraniana em animais e humanos. Ele tem métodos estudados para as principais espécies domésticas e sua aplicabilidade vai além do diagnóstico de pacientes epilépticos. Os métodos de pós-processamento de sinais associados a estudos imunogenéticos permitem a avaliação do sono, síndromes de neurodegeneração e toxicidade de drogas, expandindo o universo de avaliação e verificação de cenários neurológicos em animais domésticos. 

Referências:

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Prof Dra Roberta Basile
Prof Dra Roberta Basile
Médica Veterinária de Pequenos Animais e Equinos. Atendimento especializado em ortopedia, neurologia e dor.