Afecções da medula espinhal de equinos

Afecções da medula espinhal de equinos

Prof Dra Roberta Basile Prof Dra Roberta Basile
7 de dezembro de 2022
Após a finalização do exame global do paciente, incluindo as ferramentas convencionais e da MTC de forma complementar, o clínico é capaz de identificar a ocorrência de uma afecção medular, sua localização, extensão e consequências. O próximo passo é identificar as causas desta lesão, de forma a se concluir o diagnóstico e estabelecer um plano de tratamento adequado, MAYHEW (1999b).

1.1 Doenças congênitas


1.1.1 Malformação de vértebras cervicais (MVC)

Nesta doença, os sinais neurológicos aparecem de forma progressiva devido à compressão contínua, sem a ocorrência de episódios de trauma contemporâneo (GERBER et al., 1989). Existem dois tipos característicos de MVC, a serem descritos.

A MVC tipo I tende a ocorrer em animais jovens, até os 2 anos de idade. Provavelmente a malformação vertebral se inicia durante a vida uterina e se prolonga pelos primeiros meses de idade. As principais alterações observadas nestes casos são a malformação com estenose parcial do canal cervical, a qual se piorar em flexão indica localização entre C2-C6 e se piorar em extensão indica localização entre C6-T1; malformação dos processos articulares, com alterações degenerativas do tipo osteocondrose; malformação com cifose e redução do canal em flexão (C2-C6); malformação com hiperextensão e redução do canal medular (C6-T1); aumento das regiões de crescimento fisárias (equivalente às fisites de ossos longos) em cavalos de crescimento rápido; extensão caudal do aspecto dorsal do arco vertebral sobre a fise cranial do próximo corpo vertebral, geralmente gerando estenose em C2-C5 (MOORE et al., 1994 e YOVICH et al., 1991).

A MVC tipo II tende a ocorrer em pacientes adultos ou idosos e está relacionada a uma osteoartrite com alargamento do processo articular cervical (GERBER et al., 1989 e WHIWELL & DYSON, 1987). Nestes casos, ocorre proliferação dos tecidos articulares e periarticulares promovendo a compressão da medula espinhal. Isto inclui a formação de cistos epidurais e periarticulares (sinoviais) (WHITWELL, 1980). Os sinais geralmente são repentinos, sem histórico de trauma e assimétricos.

1.1.2 Malformações occiptoatlantoaxiais (MOAA)

Esta doença incomum geralmente afeta potros árabes (WATSON & MAYHEW, 1986). Os potros afetados podem ser natimortos, atáxicos ao nascimento ou demonstrar ataxia progressiva em recém-desmamados, ou seja, Síndrome de Wobbler. Os potros assumem posição de pescoço estendido e a malformação pode ser palpada. Apresentam pequena flexão da articulação atlanto-occipital e demonstram sons de clique ao se manipular a articulação. A escoliose pode estar presente e os sinais neurológicos podem variar de ausentes até a tetraparesia e tetraplegia. 

1.2 Condições inflamatórias, infecciosas ou imunomediadas


1.2.1 Mieloencefalite protozoária equina (EPM)

A mieloencefalite protozoária equina é uma grave enfermidade causada principalmente pelo protozoário Sarcocystis neurona, caracterizada por alteração na marcha, ataxia assimétrica dos membros pélvicos, paralisia facial, fraqueza e atrofia muscular. Frequentemente se observa paralisia de bexiga e incontinência urinária. É transmitida por gambás do gênero Didelphis que se infectam pela ingestão de tecido muscular que contém cistos provenientes de um hospedeiro intermediário infectado. Os equinos adquirem a doença acidentalmente quando comem alimentos contaminados com fezes de gambás, que possuem esporocistos infectantes. Depois de ingeridos, os esporocistos migram do trato intestinal para a corrente sanguínea, ultrapassam a barreira hematoencefálica e atacam o sistema nervoso central (MOURA et al., 2008). O protozoário provoca vasculite generalizada e provoca a isquemia da substância branca e cinzenta (JOHNSON, 2011). 

1.2.2 Osteomielite vertebral e discoespondilite

A sepse envolvendo a coluna vertebral é incomum em potros e rara em cavalos adultos. Porém, em sua ocorrência se observam episódios de dor seguido por paresia. Diarréia, abscessos ou evidências de sepse geralmente coexistem com este problema em potros. Evidências neurológicas de compressão espinhal focal com para ou tetraparesia podem ser localizadas pela presença de sinais de calor, dor e inchaço envolvendo os tecidos vertebrais ou paravertebrais. A osteomielite e discoespondilite podem ocorrer em qualquer trecho da coluna vertebral, porém são mais frequentes em C1-C2, C6-C7 e região lombar. Sepse proveniente de abscessos abdominais ou pulmonares podem provocar estas afecções tanto em potros quanto em cavalos adultos (MAYHEW, 1999b).

1.2.3 Mielite provocada por helmintos e larvas de insetos

Vários parasitas podem migrar acidentalmente para o interior do sistema nervoso central, sendo que os equinos de todas as idades são susceptíveis. Os sinais geralmente refletem o trajeto migratório tortuoso e assimétrico (Strongylus sp., Habronema sp., Setaria sp.) ou ainda difuso e generalizado (Setaria sp., Micronema deletrix). Nestes casos, a avaliação do líquido cerebroespinhal traz importantes informações sobre eosinofilia, leucocitose neutrofílica e hemorragia (MAYHEW, 1999b).

1.2.4 Mieloencefalopatia por herpesvirus equino

A forma neurológica da infecção por herpesvirus tipo 1 (EHV-1) e EHV-4 não é comum mas tem sido observada no continente americano. Os principais sinais clínicos dessa forma são episódios agudos de ataxia simétrica, paresia ou decúbito em um período de uma semana após a exposição ao vírus. Pode haver também a ocorrência de edema de membros em fêmeas prenhes e cavalos estabulados e episódios de retenção urinária seguida de incontinência por extravasamento. Os sinais geralmente se estabilizam em 24 horas e geralmente estão associados a sinais respiratórios ou de aborto. Vasculite associada à necrose isquêmica da substância branca e cinzenta é generalizada. A lesão vascular das arteríolas do cérebro e especialmente da medula espinhal resultando em infarto do tecido nervoso explica à manifestação aguda da doença (MAYHEW, 1999b e JOHNSON, 2011). 

1.2.5 Doença de Lyme - Neuroborreliose

A doença causada pela Borrelia burgdorferi tem sido crescentemente diagnosticada em equinos nos EUA e entre humanos no Brasil. Porém, ainda é desafiadora por apresentar grande variabilidade de sinais clínicos e limitações dos testes diagnósticos (JOHNSON et al., 2008). Os sinais anteriormente atribuídos à borreliose incluíam perda de peso crônica, claudicação esporádica, fraqueza, artrite, inchaços articulares, flacidez muscular, hepatite, laminite, febre, uveíte e encefalite. Mais recentemente, estudos e relatos de caso têm verificado a presença de sinais medulares relacionados à meningite e polirradiculite tais como dores no pescoço e lombar, ataxia, paresia, déficits de andamento e fraqueza de pescoço (JAMES et al., 2010, IMAI et al., 2011). Ainda há poucas evidências sobre a eficácia do tratamento da neuroborreliose com doxiciclina. Nos casos reportados, os animais necessitaram ser eutanasiados devido à má evolução da doença.  

1.3 Desordens por intoxicações


1.3.1 Envenenamento por samambaia

A ingestão de samambaias causa deficiência de tiamina devido à presença de tiaminase, provocando os sinais neurológicos. Os sinais clínicos mais comuns são ataxia, com possível envolvimento dos quatro membros. Podem ocorrer também sinais cerebrais, tais como convulsões, opistótono e cegueira (COLAHAN et al., 1999).
 Intoxicação por Indigofera spp. (anileira)
A Indigofera spp. é popularmente chamada de anileira, pois dela se extrai o anil. A intoxicação pela sua ingestão inclui perda de peso, ataxia progressiva e fraqueza. Estomatite e conjuntivite também podem estar presentes. A toxicidade pode ser reduzida por meio da ingestão de forrageiras ricas em arginina, tais como a alfafa (COLAHAN et al., 1999).

1.4 Condições nutricionais


1.4.1 Mieloencefalopatia degenerativa equina

Esta doença é mais frequentemente vista em potros, cujos sinais são insidiosos no aparecimento e apresentam evolução progressiva, com fraqueza nos membros pélvicos ou nos quatro membros, podendo chegar ao decúbito. Os animais também apresentam ataxia simétrica e hipermetria, que geralmente são piores nos membros pélvicos. Os animais severamente afetados podem apresentar paraplegia, com postura de “cão sentado”. Em animais moderadamente afetados, pode-se observar hiporreflexia ou arreflexia ao Slap Test e reflexo cutâneo. A patogenia está relacionada à distrofia da medula espinhal, provocando a degeneração das vias ascendentes e descendentes principalmente na região toracolombar. A principal etiologia está ligada à deficiência de vitamina E promovida por alimentação mal balanceada, oxidada ou pobre em forrageiras de boa qualidade (MAYHEW, 1997). 

1.4.2 Doença do neurônio motor de equinos 

Esta doença provoca atrofia muscular progressiva devido à degeneração de neurônios motores inferiores e medula espinhal. O principal sinal clínico observado é a fraqueza postural, sendo que a raça quarto-de-milha é a mais afetada. O pico de incidência ocorre aos 16 anos de idade e na maioria dos casos, está relacionada à equinos com infrequente acesso a pastagens. No início, a doença se manifesta por perda de peso acentuada sem diminuição de apetite, decúbitos frequentes e tremores musculares. Os equinos afetados adotam posição característica de apoiar a maior parte do peso nos membros torácicos, posicionando a cabeça de forma anormalmente baixa. Esta síndrome tende a se estabilizar ou melhorar num período de 1 a 2 meses. A etiologia sugere que haja atividade antioxidante deficiente nas fibras nervosas, favorecida pela presença de fibras musculares do tipo I, que são altamente oxidativas, em determinadas raças (CUMMINGS, 1990).

1.5 Trauma 

A causa mais comum de doenças no sistema nervoso central (SNC) é o trauma. Estudos publicados por FEIGE et al. (2000) e TYLER et al. (1993) mostraram que o trauma é responsável por cerca de 24% das afecções no SNC de equinos, dos quais 73% das lesões são medulares. Traumas na coluna vertebral são geralmente provocados por colisões com objetos imóveis ou por quedas. Apesar dos ferimentos poderem ocorrer em qualquer parte da coluna, as fraturas de vértebras cervicais são as mais comuns (REED, 1994). A hiperextensão, hiperflexão, deslocamento e compressão da coluna vertebral podem resultar em lesões medulares de severidade variável. O estiramento ou avulsão de ligamentos intervertebrais podem provocar a instabilidade da coluna, tornando o paciente susceptível às lesões medulares. Luxações e subluxações também são frequentes em cavalos (JEFFCOTT, 1980). Tem sido observado um incremento nos casos de luxações, subluxações e separações epifisárias em cavalos jovens por desordens nutricionais relacionadas ao fechamento epifisário.

Prof Dra Roberta Basile
Prof Dra Roberta Basile
Médica Veterinária de Pequenos Animais e Equinos. Atendimento especializado em ortopedia, neurologia e dor.